sábado, agosto 23, 2003

ENCERRADO PARA FÉRIAS (EM VIAGEM)


Dut Yeung Nin Wa (In the Mood for Love) de Wong Kar-Wai, 2000

sexta-feira, agosto 22, 2003

O FASCISMO PORTUGUÊS NUNCA EXISTIU

Irrita-me quando o meu jornal diário (o Público, o meu preferido) não tem nada para eu ler (ler mesmo, a sério), o que infelizmente, nos últimos tempos, tem acontecido com alguma frequência. Hoje - confesso - o meu jornal diário deu-me um extraordinário texto de um extraordinário escritor, João Bénard da Costa. Gosto dele quando escreve sobre cinema, gosto dele quando escreve sobre pintura, gosto dele quando escreve sobre literatura. Gosto dele quando escreve sobre qualquer coisa, em suma. Na crónica desta sexta-feira, Bénard da Costa - sob o pretexto de falar sobre Braga e Praga - dá-nos uma lição de história. Resumindo, diz Bénard que, em termos puramente objectivos, não se pode falar de «fascismo» (ai as aspas, ai as aspas...) quando se fala do Salazarismo. A tese já foi longamente desenvolvida por outros. Mas, vinda de alguém que no Estado Novo foi impedido de dar aulas, ganha outra força. Em Portugal nunca existiu totalitarismo, o que não significa que não tenha havido perseguições políticas e, de um modo geral, limitações às liberdades. O que não significa, para simplificar, que não tenha havido autoritarismo. Nunca gostei do discurso dos que, na liberdade, se auto-proclamam dos seus feitos heróicos na ditadura. Porque eles nem sequer sabem que - em Portugal - o fascismo nunca existiu.

SBL
A INOCÊNCIA

A inocência não se perde de uma vez, numa epifânia iniciática. Todos os dias somos menos inocentes, menos crentes, mais vivos, mais sós.

The Last Picture Show, de Peter Bogdanovich, 1971

RRP

quinta-feira, agosto 21, 2003

DA ANGÚSTIA E OUTROS SENTIMENTOS RECREATIVOS (6)

Tristeza, sadness, traurigkeit, tristesse, tristezza, ...

A tristeza não é mais que uma reacção alérgica, um dano colateral do desconsolo, da perda, da ausência. É um sentimento estúpido, estupidamente humano, invariavelmente recreativo.

LAST NIGHT I DREAMT THAT SOMEBODY LOVED ME

Last night I dreamt
That somebody loved me
No hope, no harm
Just another false alarm

Last night I felt
Real arms around me
No hope, no harm
Just another false alarm


So, tell me how long
Before the last one ?
And tell me how long
Before the right one ?


The story is old - I KNOW
But it goes on
The story is old - I KNOW
But it goes on

Oh, GOES ON
And on
Oh, goes on
And on



Stephen Morrissey in Strangeways here we come, The Smiths, 1987


RRP


quarta-feira, agosto 20, 2003

OUÇAM A LUCIDEZ, POR FAVOR

Ontem, quando soube do que estava a acontecer em Bagdad, pensei nele. No meu querido professor Adriano Moreira - em quem eu, aliás, penso muitas vezes, na esperança que os seus ensinamentos me ajudem a interpretar o que tão complicado me parece. E - talvez por me ter pensado nele - fiquei calada. O que é que eu tinha para dizer perante tal barbárie? Hoje, vejo que Mário Crespo o convidou para o telejornal da Sic Notícias. Juro que se algum dia chegar à sua idade (duvido) gostava de ter um décimo da sua lucidez, da sua clareza, da sua equidistância. Da sua sabedoria, em suma. Só os bons têm a capacidade de simplificar a Babel.

SBL
...LET THEY NOT TOLL FOR YOU

O vazio está cheio de imagens das vítimas. Tomar partido por elas é a única homenagem que se lhes pode fazer.

RRP
ASK NOT FOR WHOM THE BELLS TOLL...

O vazio é um reflexo de humanidade.

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PLANETAS (EM AGOSTO) (2)

Marte

Far away, so close.

NASA and the Hubble Heritage Team (STScI/AURA)

RRP
TOMAR PARTIDO

Não sei se Sérgio Vieira de Mello era isto ou aquilo. Sei que era o representante das Nações Unidas no Iraque. Sei que era o representante de quase 200 nações no Iraque. Sei que estava lá para auxiliar os Iraquianos. Sei que representava uma réstia de Civilização. A Barbárie não se pode compreender. É uma impossibilidade cultural, ideológica, etimológica, lógica. A Barbárie esmaga-se com a Civilização. Onde quer que seja o confronto. Não se pode ser neutro. Não se pode ser hipócrita. O preço é demasiado elevado.

RRP

terça-feira, agosto 19, 2003

DA ANGÚSTIA E OUTROS SENTIMENTOS RECREATIVOS (5)

Melancolia, melancholy, mélancolie, melancholie, malinconia, melancolía, ...

Uma forma de tristeza? Uma forma de alegria tranquila? Um escape ao duro aceitar de cada dia? O que sobra da felicidade? O resto não inteiro da memória?


Ode on Melancholy


NO, no, go not to Lethe, neither twist
Wolfs-bane, tight-rooted, for its poisonous wine;
Nor suffer thy pale forehead to be kiss’d
By nightshade, ruby grape of Proserpine;
Make not your rosary of yew-berries,
Nor let the beetle, nor the death-moth be
Your mournful Psyche, nor the downy owl
A partner in your sorrow’s mysteries;
For shade to shade will come too drowsily,
And drown the wakeful anguish of the soul.

But when the melancholy fit shall fall
Sudden from heaven like a weeping cloud,
That fosters the droop-headed flowers all,
And hides the green hill in an April shroud;
Then glut thy sorrow on a morning rose,
Or on the rainbow of the salt sand-wave,
Or on the wealth of globed peonies;
Or if thy mistress some rich anger shows,
Emprison her soft hand, and let her rave,
And feed deep, deep upon her peerless eyes.

She dwells with Beauty—Beauty that must die;
And Joy, whose hand is ever at his lips
Bidding adieu; and aching Pleasure nigh,
Turning to poison while the bee-mouth sips:
Ay, in the very temple of Delight
Veil’d Melancholy has her sovran shrine,
Though seen of none save him whose strenuous tongue
Can burst Joy’s grape against his palate fine;
His soul shall taste the sadness of her might,
And be among her cloudy trophies hung.


John Keats


RRP

segunda-feira, agosto 18, 2003

CHEGOU O DIA DO ESQUECIMENTO

Nos piores momentos dos incêndios florestais pensei que o dia do esquecimento haveria de chegar. Ei-lo aqui. Estranha forma de sentir a nossa - o modo exagerado como tudo foi relatado em nada condiz com o silêncio que agora se avizinha. Aos directos e imagens não editadas segue-se o vazio. Não se atribuem culpas, não se discute o futuro, não se planifica. Os incêndios florestais - sobretudo, o desespero das populações atingidas - já não valem audiências. E eu, que até nem aprecio o discurso ecologista, dou comigo a concordar com a Manga de Alpaca (que durante as próximas semanas estará a banhos) na questão do túnel do Marquês de Pombal. As árvores? As que não ardem cortam-as. Ainda que, entre a árvore e o homem, eu não tenha dúvidas sobre qual optar, pergunto: não seria possível transplantá-las?

SBL
JORNAL ABERTO

Ler o Público On-Line pode ser bastante instrutivo, veja-se a primeira notícia do Local Lisboa:

Artigo
Por FERNANDA RIBEIRO

ESTE TEXTO TEM QUATRO FOTOS: DUAS DO MIGUEL MADEIRA, DA SITUAÇÃO ACTUAL, E DUAS VIRTUAIS, QUE A FERNANDA COLOCOU NO SERVER DO LOCAL TEXTO

RRP

quinta-feira, agosto 14, 2003

TELEFONIA SEM FIOS?

Aqueles separadores-memória que a TSF anda a passar estão a cheirar-me demasiado a despedida. Por favor, não me obriguem a ouvir a Emissora Nacional.

SBL
SOU A DESILUSÃO EM PESSOA

Não me digam que Ingrid Bergman e Humphrey Bogart não se suportavam. Antes os seus descendentes não o tivessem revelado. What's next?

SBL

quarta-feira, agosto 13, 2003

AQUILO QUE ELE NÃO TEVE CORAGEM DE DIZER

Nuno Severiano Teixeira escreve hoje no Diário de Notícias sobre o papel da União Europeia no contexto internacional. De modo pedagógico, descreve as circunstâncias históricas pós-queda do muro de Berlim, defendendo que hoje a UE deve ela própria desempenhar as chamadas hard policies. Certeira é depois a sua conclusão: «Podemos até nem querer uma só voz na União Europeia, mas depois não nos podemos queixar que os EUA não nos levam a sério: no TPI, no Iraque e não sei no quê mais nos espera o unilateralismo de G.W. Bush». Concordo na generalidade com os argumentos apresentados por Severiano Teixeira. Só não percebo porque é que ele não foi além da necessidade da Europa em «repensar, seriamente, as capacidades militares». Ó meu deus, deixemo-nos de eufemismos e de falinhas mansas - o que a Europa precisa é de um exército. E ponto final.

SBL
PLANETAS (EM AGOSTO) (1)

Em Dune, os olhos são água no deserto da alma

Dune de David Lynch, 1984

RRP

terça-feira, agosto 12, 2003

NEM TANTO À TERRA, NEM TANTO AO MAR

São Pedro tem um apurado sentido irónico!!!

RRP
DA ANGÚSTIA E OUTROS SENTIMENTOS RECREATIVOS (4)

O fatalismo...

14 de Maio de 1994.
Estádio do Riazor.
Última jornada do campeonato, o Depor recebe o Valência.
O Coruña segue na frente da Liga, 1 ponto de avanço sobre o Barcelona. Uma vitória e será campeão.
Tudo está preparado para uma festa adiada durante décadas.
Últimos momentos do jogo. Último minuto do jogo. Permanece o empate. Os nervos galegos à flor da pele. PENALTY!!!. Contra o Valência. História, Destino, Eternidade, Justiça, são as palavras dos comentadores radiofónicos.
Golpe de teatro. Bebeto, o marcador anunciado, cede á emoção e recusa a responsabilidade.
O Drama sobe de tom. Djukic pega na bola e faz-se homem. Um frémito de descrença abala o estádio - "vai falhar, vai falhar, vai falhar ...".
O pontapé é forte, colocado. Mas o guardião do Valência antecipou a direcção. O silêncio que se segue é assustador (ainda hoje me arrepia essa comoção imensa, esse estupor irreal, essa incredulidade patética). A festa de novo adiada, a esperança convertida na resignação milenar dos abandonados pela Sorte.
A Fatalidade olha sobranceira a sua obra.

RRP

segunda-feira, agosto 11, 2003

WE'LL ALWAYS HAVE VENICE

Era um final de tarde de um ameno dia de Verão. Já ninguém vendia bonés da Ferrari em plena praça, já ninguém aguardava a sua vez de entrar na basílica - e já nem os pombos se passeavam pelo terreiro. Poucas vezes admirei tanto um lugar - vista do degrau do lado oposto, São Marcos não parecia estar aqui, neste mundo. Outros teriam preferido uma mesa no Florian. A mim, aquele degrau soube-me antes ao melhor cocktail do mundo. Agora, ao abrir o jornal, vejo que desde sábado passado que o municipio de Veneza proibe os turistas de se sentarem nas escadarias dos monumentos. Desconfio sempre que alguém quer tornar aquela cidade num museu.

SBL
THE ODDS

- Porque é que jogas no Totoloto?
- Para enriquecer...
- ?
- Já experimentei trabalhar, mas não funcionou...

RRP

sexta-feira, agosto 08, 2003

 Função Pública (17) - Excertos dum diário (abusivamente lido)

10 de Abril - Resolvi apresentar a questão por escrito. Foi melhor assim. A decisão será mais fácil, pois fica disponível toda a informação, a análise do problema,  a proposta de actuação.
15 de Maio - Não existindo ainda decisão, perguntei se já haveria alguma orientação sobre a matéria. Não. O assunto é complexo, tem que ser estudado, as coisas não se decidem assim do pé para a mão. Há que ser rigoroso. Concluí que ainda tenho muito que aprender.
17de Junho - O assunto continua em estudo. Não devo insistir, pois o Dirigente está assoberbado com problemas muito importantes. Concluí que os assuntos de que trato não têm importância.
13 de Julho - Conforme pedido, elaborei uma minuta de  proposta para o Dirigente assinar e apresentar ao Ministro.
20 de Julho - O Dirigente concordou com a minuta. Foi-lhe entregue a versão final.
8 de Agosto - Perguntaram-me se a proposta já tinha sido despachada pelo Senhor Ministro. Afinal ainda não tinha sido enviada. Seguiu hoje, porque o assunto é urgente.

Manga de Alpaca
CAMINHAR SOBRE A ÁGUA

Faltam 16 dias...

São lendárias as gaffes culturais dos Americanos quando na Europa. Não subscrevendo o escárnio chico-esperto que muitas vezes se dedica aos indígenas do Novo Mundo, aprecio o facto de os ditos o pagarem com a moeda da ironia. Como Robert Benchley, que chegado a Veneza, enviou um telegrama ao seu Editor:
"Streets flooded. Please advise."

RRP
LIGHTS ON

Apesar do descanso de uns, Hipatia continua.
Outros pontos continuarão a ser iluminados.


Blood Simple de Joel e Ethan Coen, 1984

RBL

quinta-feira, agosto 07, 2003

Função Pública(16) - O processo


O chefe-com-fama-e-proveito-de-temível, profundo conhecedor dos mais recônditos pormenores da contabilidade pública,  tinha-lhe pedido "o processo". Durante dias, procurou-o em todas as salas, em todos os armários, em todas as gavetas. Nada. Angustiadamente, perguntou se alguém tinha visto "o processo".  Ninguém viu. Perdeu o apetite. Teve pesadelos.
Até que não lhe restava outra alternativa. Preparado para o pior, apresentou-se ao chefe-com-fama-e-proveito-de-temível e confessou a verdade. Não sabia onde estava "o processo". Espanto dos espantos, o chefe-com-fama-e-proveito-de-temível não gritou. Levantou por momentos os olhos das tenebrosas rubricas e classificações orçamentais que tanto o deleitavam, e sorriu ironicamente. Revelou que "o processo" sempre estivera, e sabia que sempre estivera, em cima da sua (sua, dele, o chefe-com-fama-e-proveito-de-temível) secretária. O seu objectivo era apenas por à prova a capacidade de organização do responsável pelo "processo". Decorreram anos. Quando o chefe-com-fama-e-proveito-de-temível deixou de exercer a função pública, não deixou saudades. Nunca mais ouvi falar de ninguém assim.

Manga de Alpaca

ESPAÇOS IMAGINÁRIOS (EM AGOSTO) (3)

Lugares únicos.
Aqui, ao Serviço de Sua Majestade, somos por uma vez agente secreto em Portugal.
Na única vez possível.


007, On Her Majesty's Secret Service de Ian Fleming com George Lazenby, 1969

RBL

quarta-feira, agosto 06, 2003

AINDA O MURO

Ao que parece, o governo de Sharon insiste no dito. Tenho dúvidas se o objectivo do muro é tornar Israel num imenso campo de concentração ao contrário (o que quer que isso queira dizer) ou transformar a Cisjordânia numa enorme Faixa de Gaza. Talvez seja apenas uma nova linha Maginot. A estupidez humana é um inconstante mistério.

RRP
Função Pública (15) - A carta de recomendação


A carta, redigida à mão, caligrafia e linguagem denunciando a idade do signatário, foi dirigida ao Ministro. Que não lhe deu grande atenção. Limitou-se a encaminhá-la para os serviços, com um mero "para os devidos efeitos". Tratava-se de um pedido de emprego. Mas diferente dos habituais. Porque o pedido era apresentado por um avô, diligente, protector, provavelmente orgulhoso,  que "recomendava" ao Ministro o neto recém-licenciado. E porque a recomendação era acompanhada da fotocópia do cartão de militante do avô. Militante, obviamente, do partido do Ministro. Institucionalmente, a resposta foi dada nos termos habituais: as regras de ingresso na função pública..., as actuais necessidades do serviço ..., caso venha a surgir oportunidade..., e por aí. Adivinha-se a desilusão do avô ao recebê-la.
Particularmente, a resposta seria diferente: lugares para militantes? Não temos. Está tudo cheio.

Manga de Alpaca
CIDADES (EM AGOSTO) (1)

À noite alguém filma sobre os telhados.
Lá dentro alguém desespera.
Que pela janela entre um pouco de ar fresco.


Sous les Toits de Paris de René Clair, 1930

RBL

terça-feira, agosto 05, 2003

Pausa

Pausa na minha condição de observatório da função pública, para também escrever sobre a terrível vaga de incêndios. Imagens inimagináveis, tremendas, a força do fogo, a impotência humana. A aflição de quem sente a ameaça, o desespero de quem tudo perdeu. A comovente resistência de quem não quer abandonar os seus lugares. Sem que fosse das mais impressionantes, uma das imagens ficou-me, contudo, na memória: perante a coluna de fogo, enorme e avassaladora, um grupo de pessoas, com moto-serra, cortava as árvores em redor da casa de habitação. Desde que me conheço que convivo com árvores que já existiam muito antes de mim. Dificilmente consigo imaginar o que sentiria se as visse serrar para tentar salvar a casa onde nasci.

Manga de Alpaca
ESPAÇOS IMAGINÁRIOS (EM AGOSTO) (2)

Descalça, uma mulher desafia a realidade.
Em La Notte (Michelangelo Antonioni, 1961) mais de cem pessoas reunem-se para uma festa. (de ninguém)
Nesse lugar longe de tudo, onde as pessoas não se envolvem, cairá uma chuva torrencial.



RBL
AS VARIAÇÕES DE EPC

Ontem no Público Eduardo Prado Coelho escreveu sobre cinema.
Sobre João César Monteiro, e o seu último filme Vai e Vem, termina dizendo que "merece um olhar crítico e generoso, e não uma rendição acéfala e submissa".
O que diria o senhor Vuvú sobre tal acefalia seria interessante de saber.
João César Monteiro - o próprio - certamente que arrumaria a questão com um simples vocábulo de uma "linguagem petulante articulada em jeito dengoso".
O que me intriga é que o mesmo "olhar crítico e generoso" não tenha sido empregue há já algum tempo no mesmo "espaço público" em relação ao cinema de David Lynch.
Para EPC, esse sim era cinema. E David Lynch, o realizador, o paladino e o sabichão-mor da linguagem abstracta. Uau!
"Linguagem submissa", portanto, nem para uns nem para outros. Muito menos, com fraca argumentação.

RBL
O JORNALISTA ENQUANTO PIRÓMANO

Na TV uma "reportagem"...
No concelho de Abrantes, algures nas cercanias da A23, um solitário carro de bombeiros combate um violento incêndio.
Um jornalista - que reconheço por nestes dias insistir na tentativa de se imolar em directo, pelo directo - corre atrás de um desesperado bombeiro em pleno mester, para obter declarações!!!
A meu lado alguém se dobra e com os braços em frente da cara, soluça: "Que vergonha!"
Não contenho a exclamação: "E ninguém tira a carteira profissional a este gajo?!"
Um suspiro e uma resposta desiludida: " Não, promovem-no."

RRP

segunda-feira, agosto 04, 2003

SUBSÍDIOS PARA O DEBATE QUE COMEÇOU NA TRAIÇÃO

Respondi há dias ao debate lançado pelo meu Tradutor predilecto sobre a traição. Questionei então: O traidor sente a culpa? Devem alguns homens condenar outro homem? O acto de Sarah (personagem minha homónima de The End of The Affair que renunciou ao amor para o salvar) foi justo porque ela apenas cumpriu o contrato que tinha estabelecido (uma promessa, no caso)? No seguimento dos amáveis contributos às minhas perguntas (todos publicados pelo citado tradutor) alinhavei os seguintes tópicos:

1) A discussão chegou (como não podia deixar de ser) a um dos assuntos mais debatidos nos últimos anos, o relativismo. Nuno Miguel Guedes argumentou que a ausência de valores conduzia ao relativismo e portanto - conclui ele - à anarquia. A resposta fundamentada de João Raposo (o melhor é imprimirem, sublinharem e tirarem notas) acrescenta depois: «Problema realmente grave, que conduz ao 'mau nome' do relativismo, é alterar essa hierarquia de acordo com os interesses do momento, o que revela a solubilidade do carácter e nada tem a ver com o relativismo», acrescentando ainda: «O relativismo não é o problema. Problema é a nossa vontade de desresponsabilização que o invoca para não agir».

Comentário meu: O discurso do relativismo alega ser neutro. Mas não é - o relativismo não é neutro nem equidistante. Possui, isso sim, uma moral (ou uma ética, se preferirem), sob o manto diáfano de não a possuir. E que moral é essa? Os advogados do relativismo dizem que tudo é admissível, mas na verdade não permitem que os outros sejam como são. Antes impõem - e nem se dão conta disso - uma conduta, um comportamento, uma opinião. O relativismo não é, por isso, anarca. O relativismo, caro Nuno, é autoritário. E sim, caro João, o relativismo constitui uma desculpa para a desresponsabilização.

2) Concordo com João Raposo quando diz que «só por desatenção se pode dizer que hoje não há valores. Nunca tantas pessoas afirmaram os direitos da humanidade em nome dessa mesma humanidade». Valores como o direito de voto de que Raposo fala. Valores como os da «rule of law» ou os da democracia (acrescento eu). Por isto considero que metade do mundo deve empenhar-se na democratização da outra metade.

3) Atrevo-me a dizer que ninguém agarrou o «ponto-chave» da questão que formulei sobre Sarah (culpa minha, talvez). E eu só queria era chegar à milenar pergunta: o que é a justiça?

SBL
Sirat Al-Bunduqiyyah

Faltam 20 dias...

"Ci sono a Venezia tre luoghi magici e nascosti. Uno in CALLE DELL'AMOR DEGLI AMICI : un secondo vicino al PONTE DELLE MERAVEGIE : il terzo in CALLE DEI MARRANI nei pressi di San Geremia in ghetto vecchio. Quando i veneziani sono stanchi delle autorità costituite vanno in questi tre luoghi segreti e aprendo le porte che stanno nel fondo di quelle corti se ne vanno per sempre in posti bellissimi e in altre storie.....".

Hugo Pratt


RRP
Função Pública (14) - O incêndio

O alarme tinha sido recentemente instalado no edifício. Não se sabe por que motivo, volta e meia disparava, inundando o espaço com um grito lancinante a que alguém chamava  "coruja moribunda". Já estávamos habituados. Porém, naquele dia, o som estridente era acompanhado dum cheiro a queimado. Precipitámo-nos pelas escadas. Enquanto isso, decorria a reunião entre o dirigente-máximo e o outro-dirigente. Este sentia também o cheiro a queimado. O dirigente-máximo continuava impávido. Até que o outro-dirigente, preocupado, decidiu :"desculpe, creio que há um incêndio, vou fugir". Perplexidade do dirigente-máximo. "Incêndio? Mas ninguém me disse nada ! ". Claro. O dirigente deve dirigir, autorizar. Até mesmo a ocorrência de incêndios.

Manga de Alpaca
UMA OUTRA REALIDADE

Em Eles Vivem! de John Carpenter (They Live, 1988), um trolha encontra um par de óculos de sol que lhe permite ver com mais clareza...A metáfora não é de todo súbtil, mas não deixa de ser precisa. Quando se sai para a rua, com las gafas oscuras, espera-se sempre outra visão, outra realidade. Para nós e dos outros.

RRP
ESPAÇOS IMAGINÁRIOS (EM AGOSTO) (1)

Em busca de outra realidade (que não a deste horizonte).
Podemos inventar o título e o conteúdo.


Delfim de Fernando Lopes, 2002

RBL

domingo, agosto 03, 2003

INVEJO-LHE A TRANQUILIDADE

Devem ser os ares alentejanos que dão aos posts do Aviz aquele tom despreocupado que aprecio - e invejo. Num Late Night Blogs, FJV lembra a crónica que EPC dedicou a uma estranha associação entre blogs e chá verde. Escreve: «Por isso, dura enquanto durar, escreve-se todos os dias ou só de vez em quando, escreve-se sobre livros ou sobre o amor perdido, sobre música ou o amor reencontrado, deixa-se uma citação de que se gosta ou uma citação que se finge conhecer de há muito. Não é isso mais saudável do que tentar enganar a eternidade fingindo que só se escreve para a eternidade?». Sabe, caro FJV, o que eu gosto mesmo na minha escrita (esta, a dos blogs, ou a outra) é sua efemeridade. Uns dias depois já não serve para nada - e já ninguém se lembra dela.

SBL
O SOBREIRO DO MEU AVÔ

Tem cem anos. Mais até, provavelmente.
Alguém assim decidiu por volta de 1900.
Hoje chamam-lhe opção estratégica para a nossa economia.
É uma opção. Deveria ter sido.
Continua a ser. Para 2100, lá longe, num futuro próximo.



RBL
UM POUCO MAIS DE SENSATEZ, POR FAVOR

Podem parar de passar vídeos amadores não editados, supostas reportagens de jornalistas armados em heróis, imagens-choque de casas em chamas, crianças a chorar e velhos desesperados? Parem de lhes perguntar «o que é que sentem», se perderam tudo o que tinham, se tiveram ou não a ajuda dos bombeiros... Não aguento mais ver ESTA televisão. Ainda por cima, soube há pouco que a primeira ajuda internacional chegou de... Marrocos. Somos definitivamente a periferia da Europa.

SBL

sábado, agosto 02, 2003

A CANÍCULA É SÓ UMA QUESTÃO PSICOLÓGICA

Nestes últimos dias vem-me muitas vezes à memória um anúncio antigo da 7Up (ainda existe?) no qual toda a gente apanhava uma grande chuvada de Verão. Lembram-se?

SBL
POST AMOROSO

Regresso uns dias depois ao assunto do amor para, a propósito do que escreveu o Guerra e Pas, lembrar Alexandre O'Neill:

«Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,/
meu remorso de todos nós...»

A Mário Filipe Pires, do Retorta (que nos escreveu dizendo que «muito poucos têm a capacidade de nos emocionar ao escrever sobre o amor, o resto deve ficar na intimidade de cada um») recordo-lhe W. H. Auden:

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.

Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He is Dead.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.

The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.

Poucos - entre os quais, O'Neill - acertam quando escrevem sobre Portugal. Agora, sobre o amor, caro Mário Filipe Pires, felizmente que não são assim tão poucos.

SBL

O MURO

O Valete Frates refere a polémica sobre a ...vedação defensiva que o estado de Israel se encontra, presentemente, a construir.A expressão é infeliz, e a ideia de ser o estado de Israel é no mínimo inexacta. Aquilo que o Governo de Sharon se propõe construir não é uma escola ou uma barragem! Mais que o fait-divers do dito, há que não esquecer duas coisas fundamentais:
- Arafat é um terrorrista, seja por acção ou omissão.
- Sharon é um terrorista, seja por acção ou omissão.
Num mundo perfeito, os dois seriam julgados por esse facto, mas a realpolitik não se faz de ingenuidades.
Assim, só restam algumas certezas. Nunca se construíu nada em cima de um muro. O Muro de Sharon é o seu derradeiro sinal de impotência - a rendição final à sua natureza de Terrorista.

RRP

sexta-feira, agosto 01, 2003

Função Pública (13) - A Lista de Aposentados

Todos os meses a Caixa Geral de Aposentações torna pública a lista dos novos aposentados e reformados. Agrupados por Ministérios, procuramos os que pertencem ao nosso serviço. Retiramos os seus processos dos arquivos activos, fazemos contas aos encargos que ficam libertos. Para alguns, está atingido o objectivo primeiro da sua acção: reduzir pessoas e diminuir encargos. Sentem-se particularmente identificados com esta matéria. Também temos por hábito passar os olhos pelos nomes incluidos nos outros Ministérios. Os nomes que conhecemos despertam a nossa atenção, suscitam comentários. A última lista de novos aposentados e reformados é composta, números redondos, por 2 800 nomes. Isso mesmo: dois mil e oitocentos. A redução de encargos é significativa. Os comentários foram muitos.

Manga de Alpaca
OS ÍNCLITOS GENERAIS

Paulo Portas comporta-se muitas vezes como um miúdo irresponsável? É um facto histórico.
Paulo Portas adora os jogos de bastidores e a chicana política? Sim.
Paulo Portas é um demagogo? Com certeza.
Paulo Portas foi incapaz de resolver os problemas da Defesa? Tanto como os que o antecederam.
Paulo Portas é o ministro da Defesa, e assim o máximo responsável pela área militar? Não existem quaisquer dúvidas.
Os generais reunidos em concílio deglutório devem ter esquecido que vivem numa democracia laica, civil e republicana, que devem servir e defender.
Envergonharam os seus pares e remeteram-se para o degredo da desonra.
Não sou fã de Paulo Portas, bem pelo contrário, mas acção dos ex-CEME não deixa alternativa ao PR.
Só pode ordenar a passagem compulsiva à reserva desta gentalha (ou exportá-los para a Turquia).

RRP
DAILY NEWS

Fecho de edição no Sing Man Yit Pao - Daily News. Chow termina tudo a tempo. Mais uma vez.
Nós também.


Dut yeung nin wa (In the mood for Love) de Wong Kar-wai, 2000

RBL