quarta-feira, julho 28, 2004

Cromos da bola

A papelaria é pequenina e está atafulhada de jornais, revistas, dvd's,
enciclopédias, romances e coleccionáveis sem fim. Com um ar fleumático, o
cliente de todos os dias entrou e pediu o jornal habitual. Atrás, entraram
os dois filhos, bibes aos quadradinhos e mochilas às costas. Irrequietos,
entusiasmadíssimos, queriam o "poster". Tentativas calmas do pai para que
não fizessem desacatos. Solícita, a dona da papelaria mergulhou nos montes
de papel, à procura do "poster". Os pequenos não disfarçavam a ansiedade.
"De quem é?", diziam aos pulinhos. Alcançado o objectivo de encontrar o
"poster", a dona da papelaria sorriu, ainda afogueada pelo esforço da busca.
Consegui perceber que se tratava de um poster com um jogador de futebol. "De
quem é?", continuavam os pequenitos a perguntar ansiosamente. A dona da
papelaria apurou a vista e disse: "é do Beto". Em bicos dos pés, os seus
pequenos clientes olharam também, confirmaram que tratava do tal Beto, e...
"Oh... do Beto...não gosto, é feio, não quero". As caritas ficaram
desiludidas, mas logo esclareceram o pai que na próxima semana queriam o
"poster". A dona da papelaria, pacientemente, voltou a pô-lo nos montes de
papel, e lá foi comentando "na semana passada era do guarda-redes do Benfica
e esgotou-se".

Manga de Alpaca

segunda-feira, julho 26, 2004

O contorcionista

José Amaral Lopes era o Secretário de Estado Adjunto de Pedro Roseta. Tinha
na sua dependência os organismos das áreas das artes e dos espectáculos.
Veio a alteração do governo. Num primeiro momento, JAL já tinha
interiorizado que não iria fazer parte do elenco governativo. Num segundo
momento, JAL conseguiu manter-se e lá foi para o Palácio da Ajuda para tomar
posse do seu cargo de Secretário de Estado do Ministério da Cultura. Num
terceiro momento, JAL ficou a saber que iria ter um par. Para si, ficaria a
Secretaria de Estado dos Bens Culturais. Para a sua colega, ficaria a
Secretaria de Estado das Artes e dos Espectáculos. precisamente a área que
JAL tutelava. Num quarto momento, JAL ficou a saber que a sua Secretaria de
Estado é uma das "deslocalizadas" (porque será que não se diz
"deslocadas"?). JAL recebeu ordens para ir de armas e bagagens para Évora.
Não obstante, JAL apressou-se a difundir um comunicado em que louva as
virtudes da "deslocalização", e em que se afirma super satisfeito por
participar em medida de tamanha envergadura.
A isto alguns chamarão sentido de estado, vontade de servir, e por aí. Cá
para mim, é um vigoroso jogo de cintura. JAL é um contorcionista exímio.

Manga de Alpaca

sexta-feira, julho 23, 2004

Crispações

Consta que Jorge Sampaio, na tomada de posse dos Secretários de Estado,
tinha uma expressão crispada. Hum....
A propósito disso, vem-me à memória um personagem que chegou à
administração pública vindo do sector privado. Era um "gestor". E, como
"gestor", desesperava com o "despacho" e com o seu secretário-geral, um
"burocrata". Batia vigorosamente com as mãos papudas na secretária, todo o
corpo a balouçar, culpabilizando-se, porque, afinal, fora ele quem nomeara o
desamparado secretário-geral. "Toma, foste tu que o nomeaste!", dizia ele
para si próprio.
Com as evidentes diferenças dos personagens em causa, não me custa adivinhar
que demonstração pública da crispação de Jorge Sampaio se manifesta em
privado de forma idêntica à do "gestor".No recato de seu gabinete, olhando
para o seu primeiro ministro, Jorge Sampaio concerteza já abandonou por
momentos a postura british, cerrou os punhos, bateu vigorosamente na
secretária e gritou "Toma, Jorge, foste tu que o nomeaste".

Manga de Alpaca

quinta-feira, julho 22, 2004

Boquiabertos

É como estão os funcionários de um dos ministérios deste governo. Porque têm
assistido à constante invocação, por parte de dirigentes seus, das
dificuldades orçamentais. Porque têm visto dirigentes seus, dia após dia,
mês após mês, a descurarem toda e qualquer acção, dizendo-se absorvidos
pelos problemas orçamentais. Porque ouviram a promessa de emagrecimento do
elenco de governantes ( o quê? não foi promessa? ah, desculpe! ). Porque,
conhecedores da realidade do seu ministério, supuseram que passariam a ter
apenas um membro do governo para a sua área, e não dois, como vinha
acontecendo. Porque assim perspectivaram a possibilidade de reequilibrio do
orçamento. Porque, com o anúncio oficial de todo o elenco governativo, esses
mesmos funcionários ficaram desiludidos. Afinal mantinham-se dois
governantes. Porque, após as tomadas de posse, afinal o número dos seus
governantes passou a ser três. O espanto não tem medida.
 
Manga de Alpaca

terça-feira, julho 13, 2004

A descentralização segundo Pedro Santana Lopes

Economia no Porto! Agricultura em Santarém! Turismo em Faro!
Tudo isto me faz reavivar a memória e voltar dez anos atrás. PSL tinha então uma pastinha para governar. E governando, num vaipe, PSL decidiu: é preciso descentralizar! Aquele serviço vai sair do Porto e vai para Vila Real! Os funcionários que passarem para Vila Real vão beneficiar de incentivos! E PSL fez o decreto. E o serviço foi para Vila Real. Mas os funcionários não foram. Nenhum quis os incentivos. Em Vila Real, durante muito tempo, ficou o chefe à procura de funcionários. No Porto, ficaram os funcionários sem serviço. Não vou dizer durante quanto tempo.
Dez anos passados, PSL continua com vaipes, agora numa escala ampliada à medida das muitas pastinhas que tem para governar.
E a esta hora deve estar deleitado com a onda de opiniões que já embarcaram no seu discurso desconcentrado, e que opinam que Porto, claro, Santarém, não sei, não será melhor Azambuja? Faro? Não é preferível Portimão? Então e para Beja não vai nada?

Manga de Alpaca

segunda-feira, julho 12, 2004

UM ARGUMENTO PARA SAMPAIO

A Sampaio, para dissolver a Assembleia da República, bastar-lhe-ia ter usado um único argumento. Um primeiro-ministro não pode usar uma pulseirinha na mão direita.

SBL

sexta-feira, julho 09, 2004

PRIMEIRO-PEDIDO

Eu gostava muito que o novo primeiro-ministro conseguisse resolver o mau-cheiro aqui da minha rua. É verdadeiramente insuportável. Ficávamos todos muito contentes. Até era bom. Somos muitos por aqui.

RBL

quinta-feira, julho 08, 2004

PREC (processo de reforma em curso) - 1

Primeiro foi o Diário da República. Deixou de circular pelas salas, onde era
folheado à minúcia. Era acompanhado duma folhinha onde a nossa rubrica
indicava que já estávamos a par de todas as novas da governação. Folhear
papel? Então e não é que ainda há quem utilize dedeiras e almofadinhas de
esponja para as molhar? Folhinhas para rubricar? Não pode ser, há que
evoluir! E foi assim que, em nome da modernidade, nos muniram de códigos de
utilizador e passwords, e nos deram acesso ao Diário da República
electrónico. E foi assim que passámos a ler um jornal na vertical, ora uma
coluna de alto a baixo, ora outra coluna também de alto a baixo, o olhar em
sobe e desce, a canseira da vista, clique no rato para passar de folha,
folha a folha até o computador bloquear, e tudo fica para mais logo ou para
amanhã se ainda me lembrar. O que ganhámos? Rapidez, claro. O que perdemos?
O ritual, o pormenor, a segurança, a identidade.

Manga de Alpaca

sexta-feira, julho 02, 2004

PARA SOPHIA

Um dia (há uns anos, por razões que agora não vêm ao caso) telefonei para casa dela. Era já noite, ela veio ao telefone e, ao fundo, ouvia-se a Grândola, de Zeca Afonso, a tocar bem alto. Antes de eu falar, ela tratou de me explicar o que em sua casa se passava. Estamos aqui a reviver o 25 de Abril, disse-me, soltando logo de seguida umas gargalhadas cujo som eu nunca mais esqueci. Ria-se com vontade, ria-se de si própria, de todos os outros e de mim também. Ria-se sem medo que a julgassem louca. Ria-se porque podia rir-se, porque nos podíamos rir. Ria-se porque o mundo era então um bocadinho mais justo.

SBL
BRANDO HAS DIED

The horror, the horror, the horror...

SBL
Fugas

É uma residencial cuja dona, se a memória não me falha, dá pelo nome de Dona Judite. Fica na cidade da Horta, ilha do Faial, Açores. Em quase tudo, igual a muitas outras. Em quase tudo, sim. Mas com uma grande diferença. Das varandas da residencial da Dona Judite (será mesmo Judite?), avista-se uma das paisagens mais bonitas do Mundo: a ilha do Pico, vista do lado de cá do mar. Avista-se o Pico que, em coisa de minutos, ora se descobre totalmente, ora se esconde, ora aparece como se tivesse à volta um anel de nuvens. Da residencial da Dona Judite ( a memória trai-me, mas julgo que é este o nome), são uns passinhos até ao cais, onde nos espera o Cruzeiro do Canal. Esse mesmo, o que se faz ao mar, mesmo quando há mau tempo no canal. Entrados no Cruzeiro, vamos avançando pelo mar, o Pico cada vez mais perto, e em menos de meia hora estamos lá, na Madalena do Pico. Mas tudo isto agora porquê? Porque as vinhas do Pico estão a caminho de ser Património da Humanidade, porque o Pico merece, e porque eu, Manga de Alpaca, estou entregue à avaliação do desempenho na função pública que uns senhores inventaram e depois fugiram para Bruxelas. E eu tenho vontade de fugir para o Pico. Vou marcar alojamento na residencial da Dona Judite (mas será que é Judite?).

Manga de Alpaca

quinta-feira, julho 01, 2004

DA FORÇA DOS FACTOS

Do artigo que Pacheco Pereira assina hoje no Público retive sobretudo um facto (que demonstra que, quando os factos valem por si, não vale a pena procurar argumentos): «Não temos, aliás, que nos surpreender com o que será Santana Lopes primeiro-ministro, porque ele antes de o ser, já o foi. Foi-o, com toda a convicção, num concurso de faz de conta, num programa de televisão chamado Cadeira do Poder, de Albarran, ganho aliás por Torres Couto.» Quando Pacheco Pereira relembra este facto diz tudo.

SBL
Vox populi

Pacheco Pereira diz-se traído. Manuela Ferreira Leite fala em golpe de estado. Marques Mendes, em bicos de pés, também manifesta desagrado. Teresa Gouveia abandona o sorriso doce e torce o nariz. Todos contra Santana. Mas nenhum tem argumentos tão convincentes como Afonso Poeta, arrumador, 54 anos, a quem o Público perguntou se Santana dava um bom primeiro-ministro. Acha que não. "Despejou-me da casa onde morava e onde tinha as minhas roupas e os meus livros e levou os meus cães." Se leu o desabafo, a esta hora PSL já exonerou o vereador da habitação, e já mandou distribuir uma casa a Afonso Poeta, com quintal e acomodação para cães. Obviamente, também convocou as revistas cor-de-rosa para publicitarem a sua sensibilidade para com os problemas dos cidadãos e a sua capacidade para tomar decisões.

Manga de Alpaca