Vera Drake apareceu-me como uma personagem conversadora (preferencialmente em frente duma chávena de chá), perspicaz (para arranjar namorado à filha), bem disposta (mesmo ajoelhada no chão a arear os cobres da lareira da patroa), amparando quem precisa (a mãe doente, o vizinho da cadeira de rodas), inteligente (passando por cima da conversa agressiva da cunhada). No entanto, apesar de bem caracterizada, a personagem começou por não me convencer. Sobretudo porque, inicialmente, não me fazia sentido que, há muitos anos, ajudasse mulheres "em dificuldades", arriscando-se, e muito, sem nada, absolutamente nada, receber em troca. Até que, subitamente, mudei de opinião. Depois de denunciada, Vera sente o mundo desabar. Na esquadra da polícia, o seu saco, as suas caixinhas, foram devassados. Todo o seu segredo ficou espalhado em cima da secretária do inspector. Embaçada, a voz não lhe sai, não responde a nada. Nem ao "porque o faz? há quanto tempo?". Nem tão pouco ao "alguma vez, consigo?". Mas foi aqui, quando o inspector lhe trouxe o passado de volta, que a sua expressão não deixou margem para dúvidas e que a personagem passou a fazer-me todo o sentido.
Manga de Alpaca