segunda-feira, julho 31, 2006

Solidão

Quando cheguei ao Jardim das Janelas Verdes, no final duma tarde de domingo, a senhora já lá estava. Sentada num banco do jardim, sozinha, a olhar para o rio. Na casa dos setenta (ou dos oitenta ?), vestia uma saia preta, com grandes flores encarnadas. Sapato-sandália branco, uma mala de mão preta. O cabelo, branco, bem cuidado, revelava o recurso a permanente ou a mise com rolos pequeninos. Usava colar, pulseira, vestígios de tempos mais desafogados. Quase não se mexia, só olhava em frente, para o rio. Até que se levantou, passos curtos, e, lentamente, começou a subir o jardim. Sozinha. Deteve-se uma ou duas vezes quando os pombos lhe passaram ao lado. Imaginei-a a fazer o caminho de regresso, a subir depois uma escada antiga, e a entrar numa casa onde não estava mais ninguém. A regressar a pé, ou, quem sabe, de eléctrico, porque ao domingo se pode fazer uma extravagância e dar um passeio maior.

Manga de Alpaca
Frascos de compota

Uma reportagem sobre o Centro de Artes de Belgais incluia uma fotografia que me chamou a atenção. Numa enorme cozinha rústica, à volta duma enorme mesa, repleta de tachos e inúmeros frasquinhos de vidro, Maria João Pires assumia o papel de cozinheira. Acompanhava-a nas lides uma empregada com aspecto de avó, formas muito redondas, avental de florinhas, cabelo branco apanhado em carrapito. Ambas estavam muito sorridentes, demonstrando grande prazer com o que faziam. Rodeadas de cestos cheios de abóboras, tomates e amoras produzidos na quinta, Maria João e a empregada faziam compotas. Com a inveja a roer, interroguei-me: como é que ela consegue? Como é que se concilia uma carreira de pianista internacional com a gestão duma enorme propriedade agrícola e ainda sobra tempo para fazer compotas? Agora já percebi, e, infelizmente, parece que Maria João também já percebeu. Fazer compotas exige saber e disponibilidade de tempo. Não fica tempo para dar concertos por esse mundo fora.

Manga de Alpaca

sexta-feira, julho 28, 2006

LE MAÎTRE

Para acompanhar o Verão e as histórias da SBL, "uncle" Miles no Hipatia Sounds...
it really never entered my mind (fica prometida a versão da Senhora Vaughan, para acompanhar os martinis das férias)

RRP

quinta-feira, julho 27, 2006

DIÁRIO (RETARDADO) ISRAELITA I

Não é preciso lá ir para se perceber como tudo aquilo vai além do binómio pedras-de-um-lado/rockets-do-outro-lado. No meu caso, quando fui, já suspeitava de que, no Médio Oriente, tudo é mais muito complicado do que o habitual discurso pacifista que continuo a ouvir na Europa. Estive lá noutra altura, tudo estava mais calmo. Ossos do ofício, tive que «dar entrada» no país. Fui de táxi (não andes de autocarro, tinham-me aconselhado) ao edifício governamental que trata da propaganda (exactamente, da propaganda). Discuti com o taxista que queria cobrar mais do que devia e, quando lá cheguei, já estava cansada. Preenchi três ou quatro formulários, respondi a tudo e mais alguma coisa, deixei fotografias, expliquei tudo e mais alguma coisa. De onde vinha, o que tinha feito na vida, o que tinha ido ali fazer, se pretendia ir aqui e acolá. Ninguém se mostrou interessado em saber o meu estado civil, e ainda bem porque a minha documentação não estava actualizada. Um dos papéis que assinei obrigava-me a «dar a ler» todas as informações que pudessem pôr em causa a segurança do estado de Israel. Quando finalmente a papelada ficou pronta, ainda foi preciso pagar... E pagar não era ali, era numa estação de correios. Estava muito calor, lá fui à procura de uma estação de correios. À entrada da dita, exército, detector de metais, verificação de todas as bagagens. Lá dentro, fila para pagar uns quantos shekels. Calor, muito calor. Voltei ao primeiro edifício, com o comprovativo de que tinha pago o que devia. Deram-me um cartão que ainda hoje guardo (eu, que não sou de guardar este tipo de coisas...). Foi a minha primeira manhã em Israel, a minha primeira manhã num país muito burocrático. Uma sociedade muito pouco aberta, diria Popper.

SBL

domingo, julho 09, 2006

SOMOS TODOS ITALIANOS



SBL

sexta-feira, julho 07, 2006

7/7



SBL
D. Afonso Henriques












Não me parece prudente que a Ministra da Cultura autorize as investigações sobre as ossadas de D. Afonso Henriques. Provavelmente, vai concluir-se que o nosso primeiro rei não tinha mais de metro e meio de altura, e vai confirmar-se a suspeita de que coxeava duma perna. Estas conclusões não me parecem nada boas para a auto-estima nacional, já um pouco abanada pelos Enfants de la Patrie.

Manga de Alpaca

quarta-feira, julho 05, 2006

GOSTOS (OU O HIPATIA ENTREGUE ÀS GAJAS)



O que é preciso é que hoje o menino tire a camisola!

SBL
Os homens do Mundial

Nos cabeleireiros fica-se a saber muitas coisas. Em parte, devido à leitura das revistas cor-de-rosa. Foi dessas que chegou a informação: o jogador mais bonito do Mundial é (era, porque já regressou a penates) um tal de Santa Cruz, da selecção do Paraguai. Aguçada a curiosidade, procurámos, sobretudo eu e JSV, tirar a informação a limpo. Enquanto saboreávamos um bife na pedra, olhávamos ansiosamente para o écran da televisão do restaurante, esperando um grande plano que nos enchesse o olho. RBL informou-nos do número que ele tinha nas costas. Nada. O Santa Cruz não marcava, não fazia faltas, não fazia nada que merecesse a atenção do realizador. Por fim, lá apareceu: ia ser substituído. Porém, fosse por causa do cansaço ou da transpiração do suposto bonitão, o certo é que a nossa opinião não confirmou a da revista cor-de-rosa. Ainda recorremos à caderneta de cromos do Mundial de RBL. Também aí o Santa Cruz não impressionou. Onde andará então o mais bonito do Mundial? Creio que já descobri! Veste de azul... É italiano... Vamos lá ver se não me engano no nome... É... é... Gilardino, da selecção de Itália! Ah! os comentários mesquinhos de que é influência da t-shirt de RBL!

PS: acabo de comprar numa loja de chineses um boné vermelho e verde para logo à tarde.

Manga de Alpaca

domingo, julho 02, 2006

Portugal-Inglaterra

Ensaio geral de «O Nariz» de D. Shostakovich-sábado, 2 de julho, às15h!!!Impossível!
Pinamonti antecipa. É colocada uma televisão no Bar dos Artistas e, alguns segundos após o último acorde, o espaço enche-se de músicos da orquestra, cantores, coralistas, figurantes, electricistas, carpinteiros... portugueses, brasileiros, arménios, búlgaros, escoceses!... Todos, sem excepção a torcer e a sofrer por Portugal. Durante o intervalo sai para «apanhar ar»; umas senhoras passaram alheias a estas coisas do futebol. Incrédulas, perante aquela babilónia de línguas e excitação disseram: «Ah, isto deve ser mais um bar!» De facto é, mas estou certa que não poderiam imaginar quem aquele bar alberga. No final, os gritos de alegria foram iguais aos de tantos outros. Brindámos a vitória com abraços e beijos, sem distinção de funções, de credos e nacionalidades. Como diz Chico-«Foi bonita a festa, pá!»

miocl